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Manifestações Católicas no Cariri

Manifestações Católicas no Cariri

Dona Francisca é sempre receptiva a quem quiser um pouco de oração

Práticas religiosas sobrevivem ao tempo e se transformam em tradição popular

A região do Cariri, localizada no sul do ceará, é conhecida pelas fortes manifestações populares. Em um local marcado por diversas tradições culturais, as diferentes práticas religiosas popularizaram-se ao longo dos anos e resistem ao tempo. Com a população predominantemente adepta ao catolicismo, duas atividades religiosas chamam atenção pela rica diversidade e o envolvimento da população: as renovações e as rezadeiras compõem o rico acervo de religiosidade popular na região caririense.

Rezadeiras: cura pelas mãos da fé

 

Ser rezador já é um ofício de muitas gerações para muita gente que acredita que o poder da fé pode resolver os problemas advindos da doença. No Cariri, essa prática sobrevive e é aliada com a ciência médica em que muitos benzedores (ou rezadores) também tem o conhecimento das plantas medicinais. Através desse saber popular, que foi aprendido ou é passado por geração, essas pessoas que dizem possuir o “dom” da cura são uma alternativa quando os serviços de saúde não funcionam com perfeição, inclusive para regiões de difícil acesso.

C a p í t u l o 4

Rezadeiras e Renovações

Francisca de Daniel, Rezadeira.

Em Dom Quintino, interior do município de Crato, duas senhoras se revezam nos trabalhos de oração. Dona Francisca e Dinha já são cidadãs natas que sabem da importância do trabalho. Além das orações, uma delas, como Francisca, utiliza também do aconselhamento para orientar as pessoas, ela mesmo diz que já evitou que muita gente “fizesse besteira”, frase popularmente conhecida para quem quer cometer suicídio.

 

Desde que a filha de Dona Francisca Gonçalves morreu de acidente de moto, ela não deixou de rezar nas pessoas. Ofício de bastante tempo, Francisca adotou essa vocação como uma maneira de ajudar as pessoas, impondo as suas mãos com um ramo de alguma árvore para aliviar as dores físicas e emocionais de quem acredita em suas orações. Seja morador do distrito de Dom Quintino ou das redondezas, todos são bem-vindos em sua casa. “Às vezes vem de três, quatro…” é assim ela conta o número de visitas que recebe por dia.

Aos 70 anos, Francisca de Daniel, como é popularmente conhecida – pois seu pai se chamava José Daniel – já é uma benzedeira (ou rezadeira) conhecida pelos moradores. Através de suas orações ela diz que já aliviou as dores de muita gente. Entre as enfermidades: Peito Aberto; Cobreiro; Quebranto; Vento Caído; Espinhela Caída; Mal Olhado, “males” que são descritos na classificação popular como enfermidades que afetam o espírito e o corpo e que causam diversos problemas que deixam o estado mental e corporal do indivíduo comprometido.

 

O que a Igreja diz?

Já Maria Bezerra Leite, ou Dona Dinha, utiliza de sua pequena sala repleta de imagens de santos católicos para elaborar um ritual feito por ela mesma e rezar nas pessoas que a procuram queixando-se de dores. Até crianças não escapam de suas mãos.

 Dona Dinha exibe com orgulho a sala repleta de santos de sua devoção
As orações e os ritos devem ser predominantemente católicos para ser reconhecido pela igreja

“Tem uma passagem no Evangelho em que Jesus diz que ‘aquele que não está contra mim, está ao nosso favor’. A Igreja coloca uma ressalva: que a gente como bom cristão observe se esse rezador é do bem ou do mal”, diz Pe. Ribeiro Filho, pároco do distrito, questionado se a Igreja Católica reconhece oficialmente o trabalho das benzedeiras.

 

Ele acrescenta que a igreja Católica reconhece a prática das benzedeiras, desde que sejam predominantemente cristãs e haja culto ou orações católicas.

 

Ele foi educado em uma tradição católica e já viu de perto o trabalho de rezadores quando criança cidade de Quixelô, interior do estado, e conta que foi curado de uma enfermidade. “Meu irmão mais velho me levou a uma benzedeira famosa. Ele me levou uma vez e eu fui curado”, conta lembrando que quando pequeno passou pela experiência da cura em uma época em que o auxílio às benzedeiras era muito requisitado.

A Reza

Renovações no Cariri: a fé como tradição popular

Ainda no cariri cearense, em Juazeiro do Norte, principal cidade da região e grande centro comercial, outra prática religiosa resiste ao tempo: A renovação. O evento religioso já se consagrou como um dos mais populares da cidade. A prática foi incentivada pelo Padre Cícero Romão Batista, maior símbolo religioso de Juazeiro.

 

A renovação do Sagrado Coração de Jesus é, em sua essência, uma prática religiosa que simboliza o compromisso das famílias em seguir ao Evangelho e a Jesus. O ritual prevê que a imagem do Sagrado Coração de Jesus seja entronado nas residências das famílias, ocupando o lugar mais honroso da casa, geralmente na sala.

Mesa do Santo.
Imagem do Sagrado Coração de Jesus.

Quando se fala em renovação no bairro do Limoeiro em Juazeiro, Dona Francisca Amélia é uma das mais indicadas para falar sobre o assunto. Com 81 anos de vida, há 20 ela promove a consagração do Sagrado Coração de Jesus em sua residência. Ela conta que a renovação começa a ser planejada bem antes e que sente-se realizada em todos os dias 30 de junho, data em que acontece a renovação de sua casa. “Eu só deixo de fazer a renovação quando morrer”, conta Dona Francisca.

A inevitável morte dessa senhora, assim como a de todos nós, não representa necessariamente o fim do evento religioso, pois ela ainda explica que boa parte de sua  família, composta por 5 filhos e 11 netos, participam ativamente da renovação e prometem dar prosseguimento a tradição.

 

A renovação é sobretudo uma festa familiar. O evento religioso geralmente acontece na data de nascimento do primeiro filho ou no aniversário de casamento dos anfitriões. É um dia de celebração e confraternização, momento em que as famílias pedem a Deus proteção para o lar.

 

O ritual das renovações é marcado por orações e cânticos religiosos, alguns aprovados pela Igreja Católica, outros inseridos a critério dos organizadores da renovação. O momento pode ser conduzido por padres, diáconos ou leigos instruídos para isso. Em Juazeiro geralmente as renovações são celebradas pelas “rezadeiras” ou “tiradeiras”, mulheres seguidoras do catolicismo e especialistas na atividade.

Dona Francisca Amélia, 81 anos.
Francinete Nogueira (Rezadeira)

Francinete Nogueira (Rezadeira)

Estudo do livro de orações

Estudo do livro de orações

Mesa do Santo

Mesa do Santo

“Comecei a tirar renovação faz muitos anos. Fui me acostumando com isso e hoje sou convidada para muitas residências para celebrar a renovação”, explica a Rezadeira Francinete Nogueira de 55 anos, moradora de Juazeiro do Norte. Ela ainda conta que cumpre uma intensa agenda no mês de dezembro, período em que ocorre muitas renovações na zona rural do Cariri.

A música é um traço característico das renovações. Os cânticos, também conhecidos como “benditos”, estão presentes em todo o ritual. Essas canções fazem referência a Jesus, figuras da Igreja Católica e a família. Por se tratar da terra do “Padim”, em Juazeiro os cânticos também lembram a trajetória de Padre Cícero.

Coração Santo - (Bendito)
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Salve meu Padrinho Cícero - (Bendito)
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Passado o ritual da renovação, os anfitriões oferecem aos convidados o “café do santo”, lanche composto geralmente por biscoitos, café, chás, bolos e refrigerante. Esse lanche tem simbologia associada à hóstia distribuída na igreja católica. O momento serve para a confraternização entre familiares e convidados da renovação, fortalecendo os laços afetivos.

Edição: Conceição Duarte e Luciano Cesário

Fotografias: Bárbara Castro, Conceição Duarte e Rafael Pereira

Vídeo: Rafael Pereira

Reportagens: Luciano Cesário e Rafael Pereira

Reportagem multimídia produzida pela turma do 5º semestre do curso de Jornalismo da UFCA - Universidade Federal do Cariri, julho/2017

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