
Jerusalém do Nordeste
"Juazeiro tem sido um refúgio para os náufragos da vida" - Padre Cícero
C a p í t u l o 3
Romarias de Juazeiro
Juazeiro, Juazeiro,
Tua vida e tua história
Para o teu povo romeiro
Merece um padrão de glória.
De alegria tu palpitas
Ao receber as visitas
De longe, de muito além.
Grande glória tu viveste!
Do nosso caro Nordeste
Tu és a Jerusalém.
- Patativa do Assaré
Os versos do poeta Patativa do Assaré, em A Saudação ao Juazeiro do Norte, traduzem o sentimento de centenas de milhares de romeiros que visitam a cidade, capital da fé do Nordeste. Crescida sobre a proteção e a fé em torno do Padre Cícero, Juazeiro se tornou grande centro de peregrinação, um dos maiores do país.
Com ciclo de nove romarias, a população chega a dobrar em apenas um dia. A fé que conduz os peregrinos também move em grande parte a economia da cidade. A Secretaria Municipal de Turismo e Romarias estima que a cada ida à cidade um romeiro gasta R$ 800 reais em média.
Não é à toa que a economia de Juazeiro, um dos menores municípios do Cariri em território, cresceu 579,5% ao ponto de superar o PIB nacional, que é de 329% - a preços correntes, de acordo com os últimos dados disponíveis referentes ao período entre 2000 e 2013.
Por outro lado, a estrutura para receber os romeiros não acompanha o desenvolvimento econômico da cidade, que carece de melhor rede de hospedagem, alimentação, serviços, trânsito e transporte.
“Estamos mobilizando”, diz o secretário de Turismo e Romarias, Junior Feitosa, “uma grande parceria para acolher melhor o romeiro envolvendo saúde, turismo, comunicação, desenvolvimento social, para mostrar a importância que o romeiro tem para Juazeiro do Norte”.
A reportagem entrevistou pessoas ligadas às romarias de Juazeiro do Norte, percorreu os caminhos de fé dos romeiros, acompanhou como ele se hospeda, onde come, dentre outros aspectos, para constatar que a fé realmente move Juazeiro do Norte. E que a cidade é, de fato, a Jerusalém do Nordeste. Ou, simplesmente, Juazeiro de meu Padim Ciço, como carinhosamente chama o romeiro.

Entrevista Frei Barbosa - quem é o romeiro?
Frei Barbosa: "Romeiro não é turista!"
"O romeiro não é turista, porque o turista ele vem olhar, vem conhecer. Já o romeiro vem viver a sua fé expressa na sua religiosidade".
- Frei Barbosa -

PADRE CÍCERO
A figura do Padre Cicero é uma marca de Juazeiro do Norte. Nascido em Crato, ele recebeu em sonho a missão ajudar o pequeno vilarejo de Tabuleiro Grande. Seria o primeiro pároco de Juazeiro, quando o local não tinha capelão ou qualquer serviço religioso.
Ao ministrar a comunhão em missa aos seis de março de 1889, a hóstia teria se transformado em sangue ao chegar a vez da beata Maria de Araújo. O fato se repetiria outras vezes durante cerca de dois anos e, mesmo com o padre tentando evitar que o “milagre” se espalhasse, a notícia correu com rapidez e o fato começou a atrair a atenção de muitas pessoas.
O milagre deu origem às romarias de Juazeiro do Norte, como aponta o Frei Barbosa, porém custou a excomunhão do Padre Cícero da Igreja Católica. Nem por isso o sacerdote deixou de se dedicar ao Juazeiro.
Foi um grande incentivador da religiosidade e economia do local, que mais tarde se tornaria um dos maiores centros de referência religiosa e econômica do país.
Romarias: Agradecimento e Devoção
Entre chegadas e partidas, os romeiros e seguidores dos conselhos do Padim trazem como bagagem suas histórias sofridas e carregam consigo a fé inabalável no grande benfeitor da cidade. Quando vivo, Padre Cicero era conselheiro e confortava os fiéis.
E mesmo depois de sua morte, muitos ainda depositam a crença que através da devoção ao santo do Nordeste, seus problemas possam ser solucionados.
As romarias cresceram como peregrinação por meio das quais os romeiros buscam ajuda e recorrem às promessas feitas ao santo. Para muitos deles, a devoção ao padim é uma das poucas opções para encontrar respostas diante das dificuldades vividas.
TURISMO RELIGIOSO
O turismo religioso, notadamente o católico, é o que mais atrai pessoas no Brasil. Romarias enormes movimentam centenas de milhares de pessoas no território nacional, dada a predominância daqueles que professam o culto da religião do Vaticano.
Todos os anos, na maioria delas mais de uma vez, as cidades se preparam para receber os turistas com hospedagem que vão de redes hoteleiras a ranchos e pousadas cujos quartos, que deveriam abrigar até quatro pessoas, recebem 15 amontoados e dividindo espaço com o que comprar no comércio do Centro.
Imagens, terços, alumínio, livros e outros apetrechos são vendidos. Afinal, não basta visitar a terra do Padim. É preciso levar algo daqui, de recordação. A economia de Juazeiro do Norte também é sustentada em grande parte pela rede de serviços que representa 59% de toda a arrecadação municipal.
Mesmo assim, romaria após romaria, são discutidas formas de fomentar este e outros setores como o trânsito, o transporte, o comércio e a hospedagem. Muitas vezes esses planos não saem do papel e das reuniões que reúnem padres, secretários, coordenadores de órgãos de trânsito, Ministério Público, entre outros.
Conforme dados do Ministério do Turismo, existem pelo menos 18 milhões de turistas domésticos religiosos no Brasil. Número que supera os seis milhões que visitam a Capela Sistina, no Vaticano, anualmente. São também cerca de 30 mil turistas estrangeiros que visitam o Brasil com esta finalidade.
Aparecida e sua imponente basílica em São Paulo; Trindade, com a festa do Divino Pai Eterno; Abadiândia, cujo médium João de Deus atrai milhares de pessoas; Palmelo, cidade que se declara espírita, essas duas em Goiás; e Juazeiro do Norte com as romarias ao Padre Cícero; são consideradas as mecas da fé brasileira que juntas atraem cerca de 16 milhões de peregrinos todos os anos.

VIDA DE ROMEIRO
O romeiro chega a Juazeiro do Norte já exausto após muitos quilômetros percorridos de várias partes do Brasil e até do exterior. A maioria é proveniente de porções do Nordeste: são alagoanos, pernambucanos, paraibanos... todos movidos pela fé em torno do Padim Ciço.
O missionário André Rodrigues, de Fortaleza-CE, conta que “os romeiros vêm à cidade buscar a água de Juazeiro e dela banharem-se para purificar os pecados”. Conforme conta, a romaria é momento de retiro e de refletir sobre a vida, além de buscar apoio na figura do Padre Cícero Romão e de Frei Damião.

"Gosto do Padre Cícero porque ele é um santo que fica no sol igual a gente".
- Frase dita por uma romeira devota -
Em quase cem anos de romarias e mesmo após o crescimento da rede hoteleira, a maioria deles ainda prefere se hospedar em ranchos e pousadas. Os primeiros ranchos foram informais para acolher os fiéis. Com o tempo, transformaram-se em negócio e se proliferam nas ruas Padre Cícero e São José, formando o quarteirão de pousadas.
Os preços? Variam de R$ 50 a R$ 150 reais por pessoa. Em grupos esse valor diminui. “Tem muitas famílias que vêm a Juazeiro e não querem por nada se separar e preferem ficar numa só pousada”, detalha Maria das Dores. Ela administra uma pousada e conta que é por isso que muitos quartos, que deveriam caber no máximo quatro pessoas, juntam quase dez – “ou mais!”, completa.
“Não é confortável. Eu sei disso e você sabe também”, diz o romeiro João Paraibano. “Mas a gente sabe que vem aqui é pra pagar pecado e fazer penitência”, acrescenta, afirmando em seguida que as mulheres ficam em um quarto e os homens noutro.
Em uma das pousadas, com 12 quartos, hospedam-se quase 200 pessoas. A diária varia de R$ 50 em um quarto comum a R$ 120 com direito a geladeira e ar-condicionado. “É um valor muito alto para o padrão de vida de quem vem de terras muito distantes”, avalia outro romeiro.
Entrevista com romeiro
Entrevista com comerciante

Já no Hotel Padre Cícero, cujo diferencial além da comodidade é uma estátua em tamanho real do padim sentado logo na recepção, o menor valor é R$ 110 e o maior R$ 280. É muito? Pois os apartamentos já estão reservados até a Romaria de Nossa Senhora das Candeias, em fevereiro de 2018.
Nele não são aceitas mais que quatro pessoas por apartamento. “Por mais que as pessoas insistam, a gente não acolhe tantas pessoas, porque isso descaracterizaria nosso hotel”, avalia a gerente Edineide Vidal.
PF E CAJUÍNA
“Romeiro gosta de se sentir em casa”. É o que avalia França, gerente do restaurante Frei Damião, no entorno da Praça Padre Cícero. Durante a entrevista ela tinha vendido apenas dois pratos. Em dias de romarias vende 300 por R$ 12 cada. O self-serviço é o que mais sai, por esse valor.
Com 27 anos mantendo-se no ramo, ela paga R$ 1.600 reais de aluguel e confessa com sorriso no rosto que já recebeu diversas mensagens de romeiros pelo aplicativo WhatsApp informando que estarão aqui durante a romaria em 20 de julho.
